Monday, January 14, 2013

[Parte 2] Primórdios do pensamento neurocientífico moderno - A Afasia de Broca





No post anterior foi possível ver o inicio das ideias acerca das bases neurais do comportamento. Como prometido, darei seguimento a evolução do pensamento neurocientífico moderno.


Falarei sobre o estudo das Afasias, estes são distúrbios que afetam a capacidade de uma pessoa entender e expressar a linguagem, seja esta escrita, lida ou falada. Dois grandes médicos foram responsáveis por descrever essa condição, estes são Pierre Paul Broca e Carl Wernicke, ambos eram contemporâneos. O impacto de suas descobertas no século XIX contribuiu para o avanço da nossa compreensão sobre como o cérebro funciona, sendo bases para o entendimento atual dos distúrbios de linguagem.

Nota: Neste post irei discutir apenas sobre as descobertas de Paul Broca, no próximo post falarei sobre Carl Wernicke e seus estudos sobre a Afasia interpretativa da linguagem.

PAUL BROCA E A DESCOBERTA DA AFASIA

A teoria do Campo Agregado de Franz obteve maior sucesso do que a Frenologia de Gall, mantendo domínio na explicação das relações cérebro-comportamento. Porém em 1861, o neurologista francês Paul Broca, influenciado pelas ideias de Gall, propõe mudanças nas ideias da teoria Frenológica.
Figura 4 – Paul Broca (1824-1880), neurologista francês que descreveu casos clínicos de Afasia, disturbios causados por dano cerebral que afetam a linguagem.

Broca descreveu uma condição observada em seus pacientes chamada Afasia. Em um de seus casos, um paciente de nome Leborgne podia entender normalmente a linguagem falada, porém ele não conseguia expressar ideias ou frases completas, de forma escrita ou falada. Mantendo comunicação somente através de gesticulações. O estranho era que Leborgne não possuía nenhum trauma nos músculos envolvidos na escrita, muito menos em suas cordas vocais ou em outras regiões como boca e língua. 

A análise post-mortem do cérebro de Leborgne revelou uma lesão no córtex frontal inferior posterior esquerdo (região que fora posteriormente nomeada com seu nome). Broca analisou o cérebro de mais oito pacientes com condições similares e o mesmo padrão se seguiu. A partir destas evidências Broca formulou a célebre frase: “Nous parlons avec l’hémisphère gauche!” – “Nós falamos com hemisfério esquerdo!”.
Figura 5 - Região de Broca, localizada no terceiro giro (parte inferior) do Cortex Frontal.

Partindo de suas descobertas Broca avança o pensamento de Gall propondo que a Frenologia não deveria focar-se nas saliências do crânio, mas sim nas convoluções (sulcos e giros) do córtex cerebral para inferir sobre as funções mentais. 
  
UM EXEMPLO DE VIDA - O CASO SARAH SCOTT

Em maio de 2009, Sarah Scott (18 anos na época) havia chegado pela manhã em sua escola para assistir uma aula de inglês na cidade de Welwyn Garden City, Inglaterra. Ela estava a ler em voz alta uma passagem de um livro para seus colegas de classe, até então tudo corria normalmente.
 
Figura 6 – Sarah Scott a esquerda junto a sua mãe Joanie Scott.

Entretanto, Sarah subitamente perdeu a fala e não conseguia mais ler em voz alta, seu braço e perna direita ficaram dormentes. O lado direito de seu rosto relaxou, ela sentiu-se fraca e deslizou da cadeira. Ao ver o rosto de Sarah frouxo no lado direito, seus amigos logo perceberam que se tratava de um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e chamaram uma ambulância.

Sarah foi levada as pressas para o Hospital Rainha Elizabeth II, onde foi diagnosticada com um coágulo no hemisfério esquerdo do cérebro, na região frontal posterior. Ela foi tratada intensivamente com medicamentos que dissolveram o coágulo. Os impactos do AVC foram claros após o tratamento, ela ainda não conseguia mover o lado direito do corpo como antes, além de ter desenvolvido problemas na fala, escrita e leitura. Sarah fora diagnosticada então com Afasia de Broca.

Dado essa condição, Sarah começou a fazer fisioterapia e terapia de reabilitação de linguagem, ela recuperou os movimentos do lado direito do corpo com sucesso e, tem obtido grande progresso na melhora de sua Afasia. Infortunadamente, sua mãe Joanie Scott também sofreu um AVC pouco após o de Sarah. Felizmente, ela não sofreu nenhum dano na fala ou cognitivo quaisquer.

Após essas experiências de superação, Sarah e sua mãe, militam a causa apoiando instituições de caridade para pessoas que sofrem de Afasia. Elas também participam de entrevistas em programas de TV, além de gravar vídeos no youtube com o intuito de informar sobre o que é um AVC e como é viver com as dificuldades consequentes, de forma a motivar a perseverança no tratamento desta condição.

No video a seguir, onde Sarah é entrevistada por sua mãe, ela conta sobre como tem sido a vida desde o AVC.  O video é legendado, basta clicar no icone CC na barra de progresso do video.

É possível perceber as dificuldades que Sarah possuí em se expressar. Ressalvando os casos mais crônicos, a Afasia de Broca, geralmente não danifica todas habilidades cognitivas da pessoa. Sarah entende o que ouve e seu raciocínio não foi prejudicado. Entretanto, sua capacidade de expressar seus pensamentos foi comprometida. 

Notem que Sarah relata ter sentido os sintomas do AVC na parte direita de seu corpo. A explicação reside no fato de que o controle corporal no cérebro é contra-lateral. Isso quer dizer que o hemisfério esquerdo, controla a sensação e o movimento da parte direita do corpo e vice-versa.

Espero que tenham gostado do segundo post, em breve trarei a terceira parte dando continuidade aos primórdios do pensamento neurocientífico.

BIBLIOGRAFIA

CAPLAN, D.  Language Disorders.  Encyclopedia of the Human Brain. Vol. 2. Massachusetts General Hospital: Elsevier Science (USA), 2002. Pages: 545-655.

Ed. Marc D. Binder, Nobutaka Hirokawa, and Uwe Windhorst. Broca's Aphasia -  Encyclopedia of Neuroscience.  Vol. 1. Berlin, Germany: Springer, 2009. 498. Gale Virtual Reference Library. Web. 4 Jan. 2013.

Kandel ER, Schwartz JH, Jessel TM. A Neurobiologia do Comportamento - Princípios da Neurociência - 4ª edição. Editora Manole; 2003. 

LINKS ÚTEIS
Site da Connect: 
http://www.ukconnect.org/
Para mais videos com Sarah Scott: http://migre.me/cNLzT 



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