Talvez estas palavras não lhe pareçam estranhas. Com
uma variação de nomes dependendo do contexto as experiências fora-do-corpo
(EFC) são situações em que uma pessoa tem a breve sensação de perceber o mundo
de um local fora do seu corpo [1]. O video abaixo serve de exemplo de uma EFC.
O uso de drogas alucinógenas, crises epiléticas e
situações de quase morte onde uma pessoa pode ser declarada morta por um dado
momento, voltando então a vida após uma intervenção médica, podem gerar esse
tipo de experiência [1][2].
Estimativas apontam que cerca de 10% da população
psicológicamente normal já experiênciou uma EFC e isso tem atraído a atenção de
muitos neurocientistas pelo mundo [1]. Surge então uma pergunta: Existiria uma base neurofisiológica para essa experiência?
Evidências que apontam para uma possível resposta
Olaf Blanke é médico no Hospital Universitário de
Genebra, Suíça. No ano de 2000, ele era responsável por uma paciente que esperava por uma cirurgia para retirar um foco epiléptico no cérebro.
Para descobrir qual área gerava as crises epilépticas foram posicionados eletrodos (pequenos aparelhos que podem enviar ou captar
atividade elétrica) na superfície do cérebro da paciente. O objetivo desta
intervenção é captar a atividade elétrica anormal gerada por uma região que inicia a
crise epiléptica. Uma vez localizada ela é retirada. Se a localização é precisa, o paciente não mais sofrerá crises epilépticas.
Blanke percebeu que ao usar os eletrodos para estimular uma região
chamada Giro Angular (Gif 1) no
cérebro da paciente, era possível evocar uma experiência fora-do-corpo. Ao receber a estimulação a paciente relatou:
“Eu estou no teto da sala, vejo minhas pernas aqui de cima”. Porém quando a
estimulação cessou ela reportou: “Estou de volta a mesa, o que aconteceu?”. Um detalhe curioso era que esta fora a primeira vez em que a paciente sofrera este tipo de experiência [2].
Em estudos posteriores, Blanke demonstrou que uma
outra área também estaria envolvida na geração de uma EFC em pacientes com
epilepsia temporal, esta região é chamada Junção Temporal Parietal - JTP (Figura 1) [3].
![]() |
Figura 1 - Localização anatômica da Junção Temporal Parietal (JTP).
|
![]() |
Gif 1 – Localização anatômica do Giro Angular (em vermelho).
|
Ambas as regiões citadas acima são áreas onde ocorre a integração multisensorial. Informações visuais, auditivas, sensoriais de posicionamento
em relação ao corpo e em relação aos objetos no ambiente são integradas nestas
regiões. O cérebro integra informações sensoriais da posição do seu corpo com a posição dos estímulos
no ambiente, gerando a percepção de que seu corpo está em um local específico
no espaço.
Blanke formulou a hipótese de que uma falha aconteceria ao se integrar tais informações sensoriais e de posicionamento nestas
regiões, o resultado seria uma percepção alterada do posicionamento do corpo, uma EFC [1]. Os esquemas 1
e 2 a seguir exemplificam a hipótese.
Esquema 1 - Percepção
Normal da Posição do Corpo
Segundo a hipótese de Olaf o Giro
Angular e a JTP integrariam informações multissensoriais provenientes do
córtices Parietal e Temporal, gerando uma percepção de que o corpo está em um
local específico no ambiente.
Esquema 2 - Percepção
Alterada da Posição do Corpo.
A alucinação vista na experiência
fora-do-corpo seria fruto da falha nas regiões responsáveis por integrar
informações multissensoriais, fazendo com que a percepção da posição do
corpo seja feita somente em referência aos estímulos externos. Fazendo com que
a pessoa tenha a sensação de perceber seu corpo de uma posição de fora. As figuras de eletricidade exemplificam a corrente eletrica induzida na paciente de Olaf em seu artigo [2].
Ainda não está claro qual é o funcionamento do mecanismo neurofisiológico envolvido neste tipo de alucinação, maiores explicações acerca da relação do papel de cada região cerebral e de como ocorreriam as falhas, precisam ser dadas. Mesmo assim, tais evidências são um começo para elucidar de forma científica, um fenômeno antes explicado de um ponto de vista místico ou religioso.
Nota do autor: Gostaria de deixar claro que o objetivo do post é demonstrar um ponto de vista neurocientífico da experiência fora-do-corpo. Portanto, finalizo deixando claro que não tive e nem tenho por intenção diminuir, desvalorizar ou combater quaisquer ponto de vista religiosos sobre o assunto.
Nota do autor: Gostaria de deixar claro que o objetivo do post é demonstrar um ponto de vista neurocientífico da experiência fora-do-corpo. Portanto, finalizo deixando claro que não tive e nem tenho por intenção diminuir, desvalorizar ou combater quaisquer ponto de vista religiosos sobre o assunto.
Referências
[1] J. J.
Braithwaite, D. Samson, I. Apperly, E. Broglia, and J. Hulleman, “Cognitive
correlates of the spontaneous out-of-body experience (OBE) in the
psychologically normal population: evidence for an increased role of
temporal-lobe instability, body-distortion processing, and impairments in
own-body transformations.,” Cortex; a journal devoted to the study of the
nervous system and behavior, vol. 47, no. 7, pp. 839–53, Jan. 2011.
[2] O. Blanke, S. Ortigue, T. Landis, and M.
Seeck, “Stimulating illusory own-body perceptions.,” Nature, vol. 419,
no. 6904, pp. 269–70, Sep. 2002.
[3] O. Blanke, C. Mohr, C. M. Michel, A.
Pascual-Leone, P. Brugger, M. Seeck, T. Landis, and G. Thut, “Linking
out-of-body experience and self processing to mental own-body imagery at the
temporoparietal junction.,” The Journal of neuroscience : the official journal of the
Society for Neuroscience, vol. 25, no. 3, pp. 550–7, Jan.
2005.
Links Interessantes
Muito interessante, Marcelo! Interessante saber que a ciência busca e descobre como esses mecanismos todos se integram, seus funcionamentos e efeitos. Excelente!
ReplyDeleteGrande Tiago, fico feliz que tenha gostado do post amigão.
DeleteÉ realmente um desafio explicar esse tipo de base fisiológica em humanos, uma vez que enquanto o nível molecular não for explorado diretamente fica complicado atribuir uma forma de funcionamento deste fenômeno. Postarei mais sobre explicações neurofisiológicasmais de alucinações e delírios.
Parabéns pela postagem! Muito instigante e esclarecedora. É compreensível do ponto de vista neurofisiológico que a percepção do corpo seja alterada, alterando-se as estruturas cerebrais que são responsáveis por formar esta percepção. Quando a gente está muito cansado, ofegante, quase desmaiando, às vezes dá uma leve impressão de que a "alma" sai fora do corpo e volta rapidamente... Enfim, se os espíritas lessem essa matéria, certamente discordariam de muitos pontos abordados por ela. Mas crença é crença...
ReplyDeleteOlá Odacyr, obrigado pelo reforço, fico contente que tenha gostado do post.
DeleteUm ponto que não quis discutir nesse post foi a questão religiosa em sí, o objetivo do post foi demonstrar uma abordagem neurocientífica para a experiência fora-do-corpo.
Algumas pessoas me disseram que o termo ficou abrangente pois, por exemplo, a viagem astral seria diferente do contexto de uma experiência de quase morte. Não tenho discordancias quanto a isso, entretanto todos esses fenômenos têm uma raiz em comum que é a experiência de se deixar o corpo por um instante e esse padrão pode ser estudado cientificamente.
Rapaz, o negócio aqui está ficando muito bacana! Até animação tem nos post's..rs
ReplyDeleteParabéns pelo post, Marcelão! Continue assim, fi!!
Gostei bastante do texto, Marcelo! A propósito, essas experiências foram um dos motivos principais de eu ter decidido fazer psicologia. Se eu não tivesse tido neuroanatomia e neurofisiologia logo no início, possivelmente eu prosseguiria acreditando em "alma" por mais uns anos...
ReplyDeleteMas o que dizer sobre o velho do vídeo, que estranhamente viu o movimento do doutor?
Abraço!